Gostaria
que comentasse o conteúdo desse artigo que saiu em um jornal de
confissão luterana, com o título: “Virgem Venerada”.
(Hilário Cargnin – Tubarão/SC.)
O artigo em questão, publicado no jornal “O Pescador”, é transcrito de
outra publicação, chamada “Sinais dos Tempos”, e não traz indicação do
autor.
O texto pretende ser uma resposta à seguinte pergunta: “Como surgiu o
dogma católico da veneração de Maria?”, pergunta feita, evidentemente,
por alguém que desconhece a nossa fé, já que a veneração de Maria não é
um dogma.
Mas, talvez porque a pergunta fala em dogma, a resposta aborda a
história dos dogmas marianos. Felizmente não há erros nas citações dos
documentos da Igreja, mas o texto pretende mostrar que a doutrina da
Igreja sobre Maria não tem validade, por ser “totalmente desprovida de
base bíblica”. E com isso, como sempre, contradiz a própria Bíblia na
qual diz basear-se.
Diz o artigo que “a Igreja apostólica jamais atribuiu a Maria qualquer
função especial junto à comunidade dos crentes”. Essa é uma
interpretação gratuita, já que o fato de “não estar escrito” não prova
que alguma coisa não aconteceu. O objetivo dos Atos dos Apóstolos não
era detalhar as funções de cada membro das comunidades, mas sim
documentar a propagação do Evangelho pela ação missionária dos
apóstolos, com a fundação das primeiras comunidades. E o objetivo das
Cartas era transmitir orientações e tirar dúvidas dessas mesmas
comunidades, no que diz respeito à fé. Naturalmente, essa não era a
função de Maria, nem de qualquer outra mulher naquele tempo, mas isso
não significa que Maria não tivesse “nenhuma função especial”. É
significativo o fato de que ela estava presente junto aos apóstolos no
acontecimento de Pentecostes, quando a Igreja nasceu “oficialmente”, por
meio da infusão do Espírito Santo, que capacitou os apóstolos para
continuar a missão de Cristo. E é evidente, também, que o testemunho de
Maria está na base das narrativas evangélicas sobre a concepção e o
nascimento de Jesus, bem como sobre sua infância, uma vez que nenhum dos
evangelistas presenciou esses fatos. Isso mostra, no mínimo, que Maria
mantinha contato com os apóstolos, e conversava com eles com alguma
freqüência. Embora esse contato não esteja explícito nos Atos ou nas
Cartas, está certamente implícito... e era certamente importante, já que
contribuiu, no mínimo, para a redação dos Evangelhos.
Se
a pregação dos apóstolos deu frutos, e se a fé cristã se conservou até
nossos dias, é claro que isso supõe a ação de muitas outras pessoas, e
também outros tipos de ação, além daquelas narradas na Bíblia. Supõe,
principalmente, a profunda formação na fé realizada no seio das famílias
e transmitida de geração em geração... e isso, como todo mundo sabe, é
principalmente tarefa das mulheres. E Maria a terá desempenhado, junto
aos primeiros cristãos, com particular excelência, ela que, mais do que
ninguém, tinha intimidade com Jesus e seus ensinamentos.
Os
protestantes, porém, restringem a ação do Espírito Santo unicamente ao
que está escrito na Bíblia, como se, fora dela, nada tivesse valor ou
merecesse crédito. Como se, depois dos tempos apostólicos, a ação
iluminadora do Espírito Santo deixasse de ser necessária, bastando
seguir “o que está escrito”... eles não percebem que essa é uma
interpretação contrária à própria Bíblia, já que Jesus prometeu o
Espírito Santo à sua Igreja até o fim dos tempos, e não apenas para
inspirar os redatores bíblicos. Ele nem sequer menciona a Escritura ao
falar da missão da Igreja. Quando Jesus se refere às Escrituras, é
geralmente para alertar contra o perigo de interpretá-las erradamente...
O Espírito, na Bíblia, é sempre dado a pessoas, e a função de ensinar e
de zelar pela ortodoxia da fé é transmitida pela imposição das mãos dos
apóstolos aos sucessores por estes indicados. Está na Bíblia... O
critério de infalibilidade apontado por Jesus é a palavra dos apóstolos
(“quem vos ouve, a mim ouve”... “o que ligares na terra será ligado nos
céus”... etc.), e, se a Igreja estava destinada a permanecer e continuar
atuando também depois dos tempos bíblicos, não faz sentido supor que,
com a morte dos apóstolos, Deus tenha retirado o seu Espírito da Igreja,
para limitá-lo à Escritura, como se, a partir daí, nada mais pudesse
evoluir, como se não houvesse sempre situações novas a exigir
discernimento e decisões, a fim de manter viva a mensagem e conservar a
ortodoxia em matéria de fé. Afinal, Jesus diz: “Estarei convosco até o
fim dos tempos”, e não apenas no tempo dos Apóstolos. A Bíblia não diz
que toda a ação da Igreja deveria, a partir de certo momento, passar a
pautar-se unicamente pela Escritura. Nada nela faz prever essa
“extinção” da ação do Espírito. Ao contrário, ela mostra a preocupação
dos apóstolos em formar seus sucessores... Os protestantes desprezam os
próprios critérios bíblicos ao rejeitar o dinamismo já presente na
Igreja apostólica, para idolatrar a escritura como único critério de
ortodoxia... coisa que, absolutamente, a Bíblia não ensina. O Novo
Testamento nem sequer existia no tempo dos Apóstolos... e, de qualquer
forma, as evidências mostram que a Escritura, sozinha, é insuficiente
como critério de unidade e de valores, se não houver para ela uma
interpretação autorizada.
Essa
“idolatria da escritura”, desprovida de critérios, leva o autor do
artigo a considerar a doutrina dos Padres da Igreja sobre a veneração
devida a Maria por seu papel relevante na obra da redenção, assim como a
noção de sua virgindade perpétua e de sua qualidade de Mãe de Deus (que
depois se tornaram dogmas), como “teorias especulativas” que “começaram
a se infiltrar no cristianismo pós-apostólico”, como se o fato de ser
“pós-apostólico” fosse indicador de invalidade. Como se a opinião de
pessoas nascidas dois mil anos depois dos apóstolos tivesse mais valor,
ou pudesse ser mais fiel ao seu ensinamento do que aquilo que foi
assimilado e vivido por seus herdeiros diretos e imediatos... ao menos
aquilo que foi legitimado pelo Magistério, que não perdeu a assistência do Espírito Santo (se quisermos crer na promessa de Jesus).
O
articulista diz que “foi a oração da Ave-Maria, originária do século
11, que mais contribuiu para popularizar essa veneração”, que, segundo
um outro autor por ele citado, teria degenerado em adoração, “a ponto de
suplantar a própria adoração de Cristo”.
Além de apresentar um julgamento gratuito e errôneo (pois a veneração a Maria nunca foi confundida, em nossa Igreja,
com a adoração devida a Cristo, nem a superou), o autor se esquece de
que as palavras da Ave-Maria, em sua primeira parte, são palavras da
Bíblia... e que o próprio Deus já exaltava Maria, pela boca do anjo,
muito antes de nós, tendo Maria profetizado – também na Bíblia – que
todas as gerações a proclamariam bem-aventurada – o que Isabel e João
Batista já tinham feito pouco antes. Nossa veneração tem, sim,
portanto, uma forte base bíblica. Se o próprio Deus exalta Maria, não
faz muito sentido supor que isso seja algo contrário à vontade de
Deus...
O
artigo interpreta as palavras de Jesus em Lucas 11,27-28 (onde ele diz
que “os que ouvem a palavra de Deus e a observam” são mais felizes do
que “as entranhas que o trouxeram e os seios que o amamentaram”) como
uma advertência de Jesus contra a veneração a Maria. Na verdade, isso em
nada desmerece Maria, já que ninguém ouviu ou observou as palavras de
Jesus melhor do que ela. Essa passagem diz, simplesmente, que os laços
de sangue nada são em si mesmos, sem a fé e a prática da fé. É uma
advertência dirigida aos judeus, que se consideravam justos e
justificados pelo simples fato de serem “filhos de Abraão”... e, no
entanto, não reconheceram o Messias enviado por Deus. Quanto ao fato de
que Jesus se coloca como caminho necessário e único para chegar ao Pai
(como também lembra o artigo), isso não impede que o próprio Jesus tenha
agido a pedido de Maria, nas bodas de Cana, assim como escolheu,
também, vir ao mundo por meio dela. Pedir a intercessão de Maria não
significa negar o caráter indispensável e exclusivo da mediação de
Jesus. Sabemos que Maria não faz nada sem Jesus, mas isso em nada impede
que peçamos a ela para transmitir a Jesus os nossos pedidos e
interceder em nosso favor, como ela fez em Cana, e para nos trazer Jesus
como fez em Belém. A
intercessão de Maria certamente não é indispensável para a salvação,
mas também não se opõe ao ensinamento de Jesus, já que ele mesmo quis
condicionar a salvação dos homens ao consentimento e colaboração dela. E
o mais importante é que a devoção mariana, longe de prejudicar, pode favorecer
nossa fidelidade a Jesus – na verdade, é nisso que consiste o seu
valor. Nosso amor por Maria só tem sentido na medida em que nos conduz
para mais perto de Jesus. O papel de Maria em nossa fé é semelhante ao
que a Bíblia desempenha junto aos protestantes. Num e noutro podem
ocorrer desvios e erros, mas nem por isso devemos desprezar os auxílios
que o próprio Deus nos envia para nossa caminhada de fé.
É
claro que nossa devoção supõe a convicção de que Maria está viva junto
de Deus, assim como todos os santos. E aqui, de novo, o articulista
contradiz a Bíblia, ao escrever: “O próprio dogma da assunção de Maria
ao paraíso cai por terra se levarmos em consideração o ensino bíblico de
que os mortos permanecem em estado de completa inconsciência na
sepultura, aguardando o dia da ressurreição final. Maria foi uma pessoa
piedosa e temente a Deus, mas ainda não se encontra no Céu, e, como
qualquer outra criatura, jamais deveria ser venerada (ver Apoc.
22,8-9).”
Para
contradizer a Igreja Católica, os protestantes preferem dar relevo a
uma crença do Antigo Testamento, já superada no tempo de Jesus, ao invés
de acatar as palavras do próprio Jesus... que afirma que o Pai “não é
Deus de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele” (Lc 20,38; Mt
22,32), e que também promete ao bom ladrão: “Hoje mesmo estarás
comigo no Paraíso”... Há ainda a parábola do rico e de Lázaro (Lc 16,
19-31) onde Jesus diz que “o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao
seio de Abraão”, que era diferente da “mansão dos mortos”, lugar de
tormentos para onde foi o rico. Essa parábola refere-se claramente a uma
vida consciente depois da morte, na qual os justos já gozam da
bem-aventurança e os injustos são dela privados, mesmo antes da
ressurreição dos corpos. Também o Apocalipse fala nos justos que estão
junto de Deus e com ele dialogam (estão vivos, portanto), enquanto
aguardam que se complete o número dos escolhidos (Apoc 6, 9-11). O
trecho citado pelo articulista também fala em um ser vivente, um anjo,
que não deve ser adorado porque não é Deus – o que nós também sabemos –
mas nada tem a ver com a suposta inconsciência dos mortos.
Enfim:
se nós estamos “contradizendo o ensino bíblico”, Jesus o fez antes de
nós. São antes os protestantes que o fazem, nessa e em outras acusações,
ao ignorar as palavras de Jesus na Bíblia. É claro que cada um tem o
direito de acreditar no que quiser, e nós não obrigamos ninguém a pensar
como nós. Só digo isso para mostrar a inconsistência dos argumentos
utilizados pelos protestantes em suas acusações contra a Igreja
Católica...
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